domingo, 3 de outubro de 2010

Acampamento Farroupilha retrata o imaginário gaúcho


Uma matéria que eu e minha amiga Schari fizemos sobre o acampamento farroupilha
Por Julia Finamor e Schariane Kozak

Piquetes e rituais tradicionalistas


Réplica das estâncias gaúchas em meio à arquitetura urbana da capital, o Parque Harmonia é um abrigo da cultura e da história do povo sul-rio-grandense desde a sua inauguração, em 1982. A cada mês de setembro, milhares de gaúchos exibem pelos corredores do Acampamento Farroupilha o lenço vermelho, a bombacha e o chimarrão, e revivem dentro dos piquetes um pouco da rotina bucólica presente nas raízes do seu povo. Entretanto, o ritual que marca o início da Revolução Farroupilha propõe a comemoração de um evento histórico mal interpretado por muitos gaúchos, que se aproximam da tradição apenas por apreço, sem compreender o valor simbólico da celebração.
Em meio aos acampados, entre a Ponta da Cadeia e a margem do Arroio Dilúvio, o cheiro de churrasco é um convite para quem passeia pelo local. Centenas de entidades, famílias e Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) desfrutam da comida típica ao ritmo dançante da música gaudéria. Os diversos galpões de madeira, o chimarrão nas rodas de amigos, as costelas assadas sobre o chão, os fogões a lenha e os galos que cantam o início do dia encenam a vida campeira que muitos gostariam de ter. Com a cuia na mão, Luiz Antônio Cordeiro Oliva revela que, contagiado pelo som da vaneira, buscou no CTG Descendência Farrapa os costumes e valores que acredita serem únicos daqui. “Os gaúchos são diferenciados pela inteligência, pelos sentimentos, pela visão política. Somos pioneiros na agricultura e temos gado na fronteira. Somos privilegiados”, orgulha-se. Além disso, Oliva lamenta que a República Rio Grandense não tenha se consolidado de forma permanente. Segundo ele, a dimensão do Brasil não permite que o governo federal dê a atenção necessária a todos os estados: “sou separatista”.
Na porta do piquete Para-Boi surge um senhor grisalho, de chapéu, lenço e bombacha, com o aperto de mão firme de um típico campeiro. Seu Elder Fontela de Paula, 80 anos, cresceu em cima do cavalo, em meio à lida campeira. Aproveita a semana de festa e o espaço do seu galpão para oferecer almoços a idosos e crianças carentes - mais uma maneira de vivenciar os valores adquiridos dos antepassados farroupilhas. Fontela conhece pouco sobre a história do estado: “leio sobre o Rio Grande do Sul de vez em quando, mas na minha idade é difícil gravar muita coisa”, brinca. Foram as músicas e os costumes que lhe despertaram o orgulho e o amor pelas tradições do sul.


Os Críticos
Alguns, porém, são mais críticos quanto à trajetória dos farrapos e às comemorações que envolvem o dia 20 de setembro. Zenildo Rodrigues, que há duas décadas largou a vida urbana para se dedicar ao mundo rural, destina suas energias ao trabalho de artesanato em couro. Rodrigues relata que sempre levou a vida inspirado na tradição sul-rio-grandense, buscando sua identidade nas músicas, no campo e na história gaúcha, a qual demonstra conhecer por inteiro. Sendo assim, o homem que considera ser gaúcho um estado de espírito, se permite avaliar os milhares de tradicionalistas que celebram o 20 de Setembro no Acampamento Farroupilha. Para Zenildo, algumas pessoas vão ao parque Harmonia brincar de ser gaúcho, uma vez que festejam o que, supostamente, desconhecem. “Como vamos comemorar uma vitória que não aconteceu e uma guerra onde morreram milhares de pessoas?”, questiona. O gaúcho esclarece que foi uma disputa de interesses e não ideológica, como todos acreditam. Repudia, portando, o ideal dos separatistas de emancipar o Rio Grande do Sul: “Manter a união é o certo. Nós queremos viver com respeito a todos”, desabafa.


Quem sabe
A alegria das comemorações e o clima de confraternização que resulta do sentimento bairrista despertado no mês de setembro, no entanto, não convence a todos. Jornalista e doutor em História, Luiz Carlos Tau Golin aponta em seus estudos a ilegitimidade da cultura gaúcha, visto que suas diretrizes foram estabelecidas por um grupo restrito de pessoas, pioneiras do Movimento Tradicionalista Gaúcho, fundado em 1967. Segundo ele, o que chamamos de cultura não congrega a totalidade da história dos antepassados do povo sul-rio-grandense, não podendo, portanto, ser chamada de tradição.
O autor de “Manifesto Contra o Tradicionalismo” defende a preservação das culturas locais e regionais, destruídas pelo novo movimento. Segundo ele, o tradicionalismo transformou-se em um mundo imaginário regido por pensamentos retrógados e interesses privados, mascarados pelas belas vestimentas, adereços, música e comida características. Todos elementos de uma identidade inventada, como explica Tau Golin.
Por outro lado, quem participa do Movimento Tradicionalista Gaúcho e conhece a história do Rio Grande encontra na trajetória dos farrapos motivos para se orgulhar e ser fiel à tradição. Zulmir Sotoriva, de 49 anos, começou a fazer parte do CTG Galpão Campeiro em 1980, foi membro do Conselho Diretor do MTG de 1997 a 2004 e Coordenador Geral de 2006 a 2010. Ao lado da esposa, participa religiosamente dos eventos tradicionalistas e faz questão de difundir os valores e a bravura de seus antepassados por todo o Brasil.
Em princípio conquistado pela sinceridade, amizade e harmonia das pessoas que conviviam no local, entrou para o CTG, onde percebia os mesmos valores que recebeu de seus pais, a mesma importância que dava para a família, para o lar. Contudo, o que antes era apenas encanto, se multiplicou e iniciou, assim, uma história de orgulho, admiração e amor pela tradição. Sotoriva, à medida que passou a conviver com a cultura do Rio Grande, notou uma peculiaridade: o povo gaúcho, diferente dos demais, leva nas palavras a honra de sua história e carrega na essência os valores de seus antepassados.
Segundo o gaúcho, o orgulho não vem da guerra em si, e sim da bravura e coragem dos ancestrais diante da superioridade do governo central. “Não comemoramos o sangue derramado, cultuamos a raça dos guerreiros farroupilhas, sua vontade e seus feitos. Como o hino já diz, foi uma ‘ímpia e injusta guerra’”, reflete. Além disso, exalta as mulheres dos guerreiros, que durante os 10 anos de combate, cuidaram sozinhas de seus filhos e defenderam corajosamente o seu patrimônio.
Julgar uma guerra, de acordo com Zulmir, é uma tarefa inviável, uma vez que a sociedade da época tinha uma mentalidade restrita, como ele mesmo adjetiva. Para o tradicionalista, mesmo que o contexto decisivo para a eclosão da guerra se desenhasse novamente nos dias atuais, não haveria batalha alguma. Os farrapos, visando a atenção do governo central, entrariam em acordo ou encontrariam alternativas para alcançar seus objetivos. Ciente do verdadeiro significado da revolução, Zulmir afirma ser contra o separatismo: “O certo é nos mantermos todos unidos”, assegura, mostrando que suas convicções e bons costumes vão além de um mero discurso bairrista.

Entrevista Luiz Carlos Tau Golin
1) Por que o senhor não considera o Tradicionalismo a representação da nossa história e da nossa cultura?

O Tradicionalismo não é Tradição, não é Folclore e, muito menos, cultura Popular. Tradicionalismo é uma “cultura de massa”. É um movimento da esfera privada que disputa o controle dos bens simbólicos, traduzidos em recursos econômicos e poder político. Os rio-grandenses são multiculturais, mestiços com heranças americanas, europeias, africanas e asiáticas, os sentimentos de pertencimento são variados. Em que pese o seu dogmatismo, o Tradicionalismo não consegue operar unificadamente em todos os setores sociais.

2) A criação de uma identidade idealizada seria uma estratégia para suprir as carências do povo gaúcho perante a falta de reconhecimento do governo central?

A invenção da polaridade entre o Rio Grande do Sul e o governo central é uma criação da historiografia republicana e ecoada pelo Tradicionalismo e seus rituais ignorantes. Com o passar do tempo, integrou também os discursos regionalistas. Aos poucos, o predomínio dessa versão virou uma bandeira antibrasileirista para a evocação de uma espécie de distinção ou superioridade gauchesca. O problema é que o discurso acaba sempre se transformando em comportamento. O rio-grandense, quando adota o gauchismo, acaba sempre um intolerante.

Entenda o que foi a revolução farroupilha:


O conflito de caráter republicano,que buscava a visibilidade perante ao estado, estendeu-se de 20 de setembro de 1835 a 1° de março de 1845.

As causas:
A justificativa inicial consiste no conflito entre os liberais, que visavam um modelo de estado com maior autonomia para as províncias, e o modelo de caráter unitário imposto pelo governo central.Além disso, o charque gaúcho estava cada vez mais valorizado e abastecia o mercado do pais.Contudo, o cambio mantinha-se baixo e o charque argentino passou a ser comercializado com menos custo no Brasil-o que despertou revolta do povo gaúcho. Não se pode esquecer que a historia do rio grande do sul, desde seus primórdios foi marcada por conflitos ideológicos: diversos gaúchos, antes até mesmo da revolução farroupilha,tentaram de maneira desastrosa implantar uma república.

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