quarta-feira, 16 de junho de 2010

A Ana Terra do Boqueirão



Em noite quente e silenciosa nas terras fartas da cidadezinha de Santiago, adjetivada como do “Boqueirão”, nascia do ventre de sua mãe, que após dez anos perdera devido a um câncer generalizado, Floriza. Mulher valente, aguerrida, tanto na espera como na luta. Começara há 75 anos sua trajetória. Dava início a uma linda história de amor, conquistas e vitórias. Despertava dezenas de gerações. Nascia consigo uma família. Fora, então, naquela noite de verão, plantada a semente do amor
A caçula dos seis filhos estudara até os 12 anos. Caminhava todos os dias cerca de seis quadras para chegar à escola. Seu sonho era aprender a ler. Aprendera. Seu sonho era ser professora. Não fora. Aos 12 anos, seu pai desenvolvera uma doença crônica, o que a fez largar a escola e dedicar-se inteiramente a ele, quem lhe despertava o amor mais puro e sincero. Fora três anos. Fora dezenas de noites. Noites de sofrimento, angustia e dedicação. O som da madrugada era de tosses e tremores. Passou a dormir no quarto do pai. Não era suficiente. Começara dormir nos pés da cama do pai. Foram três anos de maior entrega. Anos não dormidos. Foram anos sofridos. Era noite chuvosa. Já não se escutava tosses. Nem tremores. Apenas o vento assoprava. Floriza perdera seu pai.
Perdida e sozinha encontrou em seus irmãos o aconchego e calor que necessitava. Passou a ser criada por seu irmão mais velho. Aos 18 anos, esse irmão, que a considerava como uma filha foi tentar a vida na Capital. Em busca de oportunidades, esperanças e de alegrias. Por força maior do destino tiveram que se separar. Floriza, jovem sofrida e desamparada, se viu mais uma vez sozinha. Foi, quando, começava seu caminho. Trilhava sua vida. Escrevia sua historia. A nossa historia. Predestinada, escrava da tristeza e do abandono fora obrigada a se casar. Não conhecia o moço. Sabia pelas moças da cidade que era um rapaz muito bem apanhado, dono de terras e bem vistoso. Aos 18 anos conhecera seu marido, seu único homem, aquele que seria seu companheiro pro resto da vida, aquele que em 2010 estariam fazendo 57 anos de casados. Aquele que junto a ela criou uma geração, uma família e um sentimento maior. Fora predestinada. Fora obrigada. Viu desde cedo a dor e o sofrimento. Despertara, então, a vontade de mudar de vida. Fora naquele homem que vira a esperança. Esperança de mudar o destino que já parecia traçado. Foi um belo casamento. Aquilo que Floriza nunca imaginara. Naquela noite, vestida de branco, esquecera seu sofrimento. Esquecera quem era. Naquela noite resolvera ser uma princesa. Conhecera a esperança. Não conhecera o amor.
Mudara-se. Dividia, agora, a casa com um novo homem. Não eram seus irmãos. Não era seu pai. Era seu marido. Não conhecia. Não o desejava. Mas, era, agora, o seu marido. Sentia-se carente. Chorava todas as noites. Sentia saudade de seu pai, sentia saudade dela mesma. Seu novo homem não lhe dava carinho. Deitava na cama e virava-se. Floriza permanecia parada, sozinha e triste. Mesmo com muitas tentativas, Floriza mantinha-se envergonhada e acanhada. Não estava acostumada com certas caricias. Demorara, mas um belo dia se entregara ao seu homem. Aos 20 anos. Era noite chuvosa. Sua prima chamara a parteira. Seu marido, nervoso, permanecia na sala. Sentia a presença de seu pai. Fora muito suor. Muita dor. Escutava-se os gemidos da sala. Floriza dera a luz a um menino. A jovem paria um garoto de 5 kg em casa, na cama onde chorava todos dias, mas onde, naquele dia, a felicidade se encontrava. Dois anos depois dava vida a uma linda garotinha. Anos após perdera um filho ainda na barriga. Tristeza. Aflição. Ganhara seu ultimo filho dois anos após a perda. Todos vindo com muito suor. Todos ganhos em casa. A felicidade voltava a reinar.
Era como Ana Terra, de Jorge amado. Heroína. Ampliado pela solidão e pela sensação de infelicidade de viver naquele mundo perdido. A sua garra, obstinação e capacidade de resistência. Seu marido, fora batizado por Getulio Vargas. Viajava, se dedicou a política e a guerra.Semelhante a Ana Terra, está a profissão de parteira que Floriza adota como uma metáfora da vida, enquanto a seu redor guerras e revoluções campeiam com todo um tributo à destruição e à morte,Floriza dá vida a milhares de crianças na pacata cidadezinha.
Cansada de esperar seu marido noites adentro, criando seus três filhos com ajuda da criada, Floriza decidiu se deslocar para Porto Alegre, onde estava seu irmãos. Fugiu da tristeza. Fugiu da espera. Fugiu dos boatos que rondava pela cidade. Seu marido encontrava-se com uma sirigaita qualquer. Chegara em Porto Alegre com seus filhos. Seu marido veio atrás. Viajantes, apostaram em uma vida melhor. Se acomodaram na Cidade Baixa, onde são conhecidos e vivem até hoje. Começara uma nova vida. Durante esse anos, nascera o companheirismo, o respeito, a complexidade. Nascera o amor. Fora uma vida dedicado ao marido, aos filhos e aos netos. Cozinhara todo dia. Amara todo dia. Hoje um depende do outro. Hoje um não vive sem o outro. Hoje um não sai de casa sem o outro. Hoje ele não toma chimarrão de manhã sem ela. Hoje ele não dorme sem ela. Hoje são 3 filhos, 12 netos, três bisnetos. Hoje ninguém vive sem ela. Hoje, ninguém vive sem eles. Aprenderam o verdadeiro significado do amor, plantaram e repassaram pelas gerações.
Mudei o nome pois é baseado na história de vida.

2 comentários:

  1. Com certeza, um dos teus melhores textos. O misto de história, jornalismo e narrativa literária tornou sedutor este perfil. Para fraseando Humberto Werneck, tu conseguiu mostrar que "saber e sabor possuem a mesma raiz latina".

    Beijos do Felipe

    ResponderExcluir
  2. Teu primeiro texto que leio, (pq tuas as redaçoes tuas do colégio, só li as que eu mesmo escrevi hauhah)
    Serio: Nao sabia dessa história, me comoveu.
    Amei, demais, demais, demais...


    Orgulho de fazer parte disso!

    ResponderExcluir