quarta-feira, 16 de junho de 2010

Preenchendo os buracos da nossa sociedade



Com a voz calma e serena, sentada em uma sala pequena e escura, em que só há duas cadeiras, uma mesa, uma planta artificial e uma janela, ela conta sua história. Quem fala é Marilene Eggers Alves, mulher firme tanto na fala como na luta, esculpida por uma beleza diferente. Ora, ela leva a mão em seus cabelos loiros e compridos, ora seus olhos verdes e brilhantes se enchem de lágrimas. Ela olha pela janela e admira o jardim, que parece ressaltar o abismo que há entre mundo de fora com aquele ambiente escuro. E reflete:
- Eu sonho com isso para todos. Esse é o meu objetivo.
Esta é a missão de Marilene.Missão que se mescla com sua história de vida. História de esperança, de entrega e, como elas mesmo adjetiva, de paixão. Marilene nascera em Santa-Maria, e desde adolescente se dedica a ajudar os outros. Fora desde sempre voluntária, espírito esse que recebera do pai. Marilene cresceu e virou mulher. Mulher firme, aguerrida, sucedida e inteligente. Ela se formou em Graduação e Licenciatura Plena, fez Pós Graduação em Psicopedagogia, especialização em terapia de família e casal e, por último, se formou em terapia de famílias dependentes químicas, o que atualmente, dedica seus dias, e muitas vezes suas noites. Para a amiga de Marilene, Terezinha, a terapeuta sempre teve o perfil para ajudar os outros; sempre fora calma e educara seu único filho com muita conversa e na base da amizade.
Em 2004, Marlene fora convidada pela Cruz Vermelha, para trabalhar com grupos de dependentes químicos. A terapeuta dedica em média 10 horas semanais, nas terças feiras de manhã e segundas à tarde para auxiliar e orientar grupos multifamiliares na Cruz Vermelha. Ela desenvolve um trabalho de auxílio a dependentes e seus familiares e um estudo das três gerações da família e como essa se estrutura. Marilene acredita que a coodependência é tão triste quanto à dependência, e por isso, a família sofre junto e se torna escrava da doença. Além de ressaltar que a genética potencializa os casos. Para Marilene, o auxílio a famílias é importante, pois amplia a possibilidade de manter a abstinência, uma vez que todos estão trabalhando juntos. Para ela, as pessoas procuram “pelo ter mais e o ser fica esquecido”.E enfatiza:
- É uma sociedade com tecido esburacado. Precisa ser preenchida com ação momentânea de prazer. Infelizmente.
Em 2005 Marilene se tornara coordenadora da Cruz Vermelha e passou a realizar diversos projetos para seus pacientes; como a inserção no mercado de trabalho.Marilene relata que paralelamente a esses projetos, está sempre envolvida em causas sociais. Atualmente, está desenvolvendo uma ação de conscientização ambiental, descoberta de líderes comunitários e emersão dos habitantes da Vila Chocolatão nas novas moradias que a prefeitura está providenciando. Emocionada, Marilene ressalta a importância desses projetos para sua vida pessoal, pois encontra no meio da barbárie e da desgraça que aquelas pessoas estão submetidas, indivíduos de valores e princípios, que lutam por uma vida melhor, o que faz Marilena ficar cada vez mais convicta de seu papel. Ademais, trabalha em seu consultório, tratando casais, dependentes químicos e familiares. Marilene se considerara várias em uma só. E de fato é. São muitas histórias. São muitas vidas. São muitas palavras. São muitas salvações. Ela tirara indivíduos da rua, das drogas e do fim.
É terça-feira, Marilene chega a Rua Independência, número 993. Lá, ela é uma heroína. Logo na chegada, ela é aclamada, recebe presentes feitos pelos pacientes: bolos, farinha, pão, doces. Marilene significa para todas aquelas pessoas que estão ali, uma esperança de um futuro melhor. Permitindo clichês; ela é a luz no fim do túnel. Por isso, eles se agarram a ela, sugam suas forças e imploram ajuda. Contudo, Marilene não tem como ajudar a todos. É somente uma. E eles são milhares. Marilene, dotada de um equilíbrio único e muito respeitoso, chega à porta e diz que só tem 10 fichas para aquele dia, então é para eles se organizarem, que ela atenderá 10 famílias.
Começa a sessão. A mesma sala que Marilene contara sua linda história, agora só se escuta sofrimentos, angustia e desespero. Não existem palavras que descrevam esse momento. Marilene mais escuta que fala; a mãe parece que quer desabafar. O filho mais novo começara no crack para matar a fome. O pai nega. A mãe está desesperada. Os olhos de Marilene fixos na mãe do menino, querem a confortar. Depois do desabafo, é hora de Marilene. Com a mesma voz calma e doce, Marilene auxilia e conforta a mãe. O que surpreende é a firmeza de Marilene,ela não impõe nada, apenas faz perguntas e conduz repostas. Por fim, Marilene abraça a mãe, que agradece e diz que a “doutora” é sua última salvação. Marilene,delicadamente,responde que ajudará no que for possível e que eles podem carregá-la dentro de si, mas que salvação depende de todos.
Ao refletir sobre sua entrega aos pacientes. Marilene ressalta que muitas vezes fica precisa de auxílio, afinal todos tem problemas, e como muitos não conseguem perceber, ela é um ser humano com outro qualquer. Mas, com olhos brilhantes, a terapeuta diz que as recompensas desse tipo de trabalho são muito maiores e o retorno é pessoal, pois há ganho diário - uma abstinência, paciente inserido no mercado de trabalho,um indivíduo fora das drogas, uma família em paz-, isso reforça ainda mais a sua trajetória de vida e ressalta:
- Deitar na cama, depois de uma conquista dessas, só me faz dormir melhor e me encher de esperança e certeza de que estou no caminho certo.
Marilene reconhece que é uma temática difícil. A droga é traiçoeira. Provoca desejos, recaídas. Ressalta que muitas vezes está quase no fim do tratamento de um paciente, quando esse se entrega a tentação. Mas não desiste. Ela tem esperança.
Marilene, não gosta da indiferença. Trata todos iguais. Para ela, classe financeira não importa diante de um problema tão complexo. Sendo assim, trata os pacientes da Cruz Vermelha da mesma maneira do que os do escritório. Com brincos compridos e batom vermelho, Marlilene ressalta a importância de ser ela mesma. Acredita que a igualdade ao paciente não está no fato de usar chinelo de dedo ao não, e sim, na maneira que aborda, no olhar e na entrega. Para a terapeuta é natural se envolver e manter vínculo, pois alguém que entende a profissão e a importância do trabalho não fica só na posição do saber. Marilene nunca perde a postura e a firmeza. Seus atos são fortes, suas palavras são doces. Sua postura acolhe. Parece que compreende tudo, parece que entende o mundo.
Marilene se levantada da cadeira e pega sua bolsa. Caminha em passos lentos. O som de seu salto ecoa pela casa. No caminho da sala até a Independência, Marilene conversa com um homem, olha para trás e diz

-Pode passar o próximo
Narrativa baseada em relatos de Marilene

4 comentários:

  1. Adorei a ideia, Ju!
    E só tenho uma coisa pra te dizer: TU NASCESTES PRA ISSO!
    Vai com tudo e boa sorte!
    Estou contigo!

    Beijo!

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  2. que lindo o trabalho que ela faz! grande mulher! adorei o blog

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  3. adoreiii
    o blog
    fiquei encantada com essa reportagem

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  4. amei tudo, lindo lindo!

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